Nessas últimas semanas, rodei mais de três mil quilômetros experimentando o Brasil que dá certo. Foi um sopro de esperança em uma época de tanto desalento. No interior de São Paulo, participei do “Encontro de Confinadores” da Scot Consultoria e pude ver o “estado-da-arte” da atividade, com empresários rurais com sistemas de produção ultramodernos, além de muita informação relevante de pesquisadores e consultores. Já no Mato Grosso, conheci uma jovem cidade, que ainda não chegou aos 30 anos, mas que tem na “Parecis SuperAgro” um evento à altura dos grandes do país. Na sua 10ª edição, tive a honra de ser um dos palestrantes entre expoentes do setor . Foram dias de muito aprendizado e de renovar a crença que temos um futuro brilhante à frente quando olhamos pelo prisma do agronegócio.
Gostaria de levantar especificamente dois pontos entre tantos que foram discutidos no “Encontro de Confinadores” e no “SuperAgro” sobre a cadeia da bovinocultura de corte e que aproximaram esses lugares distantes na geografia, mas bem mais próximos nestes aspectos: a eficiência alimentar e o atendimento das expectativas do mercado consumidor.
A eficiência alimentar, por ser uma relação entre duas variáveis, é uma métrica menos palpável do que o ganho de peso e o consumo da dieta, medidas das quais ela é derivada. A maneira mais usual de ser apresentada é como “conversão alimentar”, ou seja, quantos quilogramas da dieta são necessários para cada quilograma de ganho. Por exemplo, se o animal consome 10 kg da dieta e ganha 1 kg de peso vivo, ele tem uma conversão alimentar de 10:1. Um detalhe: é considerado o consumo em matéria seca, isto é, desconsiderando a água contida nos alimentos.
A eficiência alimentar propriamente dita seria o inverso da conversão alimentar. Neste exemplo, 1 kg de ganho para cada 10 kg de consumo de matéria seca, ou seja, 100 g de ganho para cada quilograma de matéria seca consumido. Uma pequena vantagem em se usar a eficiência alimentar é que, quanto maior seu valor, melhor, o que é mais intuitivo do que a conversão alimentar que, quanto menor, mais vantajosa.
Um animal pode ter eficiência alimentar maior do que outro por duas razões: (1) Apesar de ter o mesmo consumo, ele ganha mais ou (2) ele tem o mesmo ganho, mas consome menos que o outro. O que esperamos dessas duas situações é que sobre mais dinheiro, ou porque há mais receita (Caso 1) ou porque há menos custo (Caso 2). Em sendo assim, podemos associar com 100% de certeza a eficiência alimentar ao lucro? Não, simplesmente porque isso depende do fato do ganho estar sendo suficiente para pagar o custo total diário do animal, incluindo o custo de fornecer a dieta, a depreciação das instalações e o capital empatado na atividade. Assim, eficiência alimentar não garante lucro. Todavia, mesmo na situação em que ocorre prejuízo, o animal mais eficiente trará menor prejuízo em relação a outro menos eficiente.
Fundamental é usar essa medida de maneira a tirar o melhor dela. Nesse sentido, vale à pena comentar o caso apresentado em uma das palestras do “Encontro de Confinadores”. Foram comparados dois lotes, que recebiam a mesma dieta, no qual o menos eficiente foi mais lucrativo. Apesar disso não ser exatamente surpresa, conforme comentado no parágrafo anterior, é importante colocar em perspectiva o que exatamente esse resultado significa.
Esmiuçando um pouco mais as informações trazidas na comparação desses lotes, o dado que mais chamou a atenção foi a ingestão como porcentagem do peso vivo: o lote mais eficiente tinha um consumo cerca de 15% inferior. Caso esses lotes de animais fossem semelhantes, não haveria motivo para esperar uma diferença tão grande no consumo.
Considerando que fossem mesmo semelhantes entre si, uma explicação para o menor consumo de um dos lotes poderia ser algum problema na oferta da dieta. Menor oferta ajudaria, inclusive, a explicar a maior eficiência: consumos menores fazem o alimento passar mais devagar pelo trato digestivo do animal, dando mais tempo para a ação das enzimas digestivas agirem, o que aumenta o aproveitamento dos nutrientes da dieta e, portanto, sua eficiência.
Na hipótese (mais provável) de que não tenha havido problemas com a oferta, então a explicação mais plausível seria que os animais dos diferentes lotes eram diferentes entre si, com o lote mais eficiente sendo composto por animais de mais baixo potencial de ganho. Aqui temos um ponto crucial: animais de baixo potencial não ganharam pouco porque consumiram pouco, mas exatamente ao desempenharam menos, tiveram menos fome.
O que determina a vontade de comer é o potencial produtivo do animal. Isso é mais fácil entender pensando numa vaquinha de leite bem fraquinha, que produza seus 5 kg de leite por dia. De nada adianta abrir uma fístula e encher o seu rúmen da mais tenra alfafa, pois a produção não vai mudar. Ela consume pouco porque pouco produz.
A mensagem importante, portanto, é que o uso da eficiência alimentar como uma das medidas de desempenho do confinamento requer alguns cuidados, como comparar situações de fato comparáveis, separando bem causa e efeito. Deve-se notar, contudo, que mesmo no caso do lote com menor lucro, ela continua válida e é interessante, pois se a eficiência alimentar fosse a mesma que a do outro grupo, seu lucro seria menor ainda!
Ainda nesta questão da eficiência alimentar, deve-se ter claro em mente que temos uma parte da eficiência que depende de fatores externos ao animal, como uma dieta bem balanceada, ingredientes de qualidade e um manejo alimentar que favoreça o consumo. Ocorre que esses fatores são bem controláveis e, assim, podemos considerá-los perfeitamente atendíveis. Dessa forma, resta-nos avaliar a característica intrínseca do animal, ou seja, a relação de sua genética com a eficiência.
No campo da eficiência e da genética, temos boas notícias. A primeira delas é que o existe um grande diferencial entre indivíduos. No caso de Nelores, por exemplo, avaliando 575 cabeças de um rebanho estrategicamente produzido com o sêmen de 34 touros muito influentes de forma a representar da melhor forma possível a variabilidade da raça, obteve-se uma diferença de 3,8 kg de ingestão de matéria seca entre o animal mais eficiente e o menos eficiente, medida como consumo alimentar residual. É essa gigantesca variabilidade que temos a chance de explorar pelo melhoramento genético. Esses dados são provenientes do projeto Bifequali .
Esse foi um dos principais pontos que tentei mostrar na palestra em Campo Novo dos Parecis, mas, junto a esta boa notícia, há alguns desafios. Apesar da maioria dos dados nos mostrarem que animais eficientes produzem carne com qualidade da carne semelhante aos demais, percebeu-se que, à medida que vamos à busca de eficiência, há uma tendência em se produzir carne com menos gordura. Será necessária, então, uma vigilância para evitar que produzamos muito eficientemente uma carne que o consumidor não tenha interesse em consumir. Essa meta é plenamente possível e, o mais importante, já está no radar dos nossos melhoristas.
Essa questão de eficiência e qualidade da carne já está no cotidiano da produção de carne e nem sempre tem sido satisfatoriamente resolvido. Aqui entra o segundo ponto ouvido à exaustão nas andanças pelo interior de São Paulo e de Mato Grosso: a necessidade de atender os desejos do consumidor de carne.
Em várias palestras, nos dois eventos, houve menção sobre a importância em se produzir a carne que o mercado quer. Uma grande questão nesse ponto é que não há a exata clareza do que seja isso. Sabemos que temos de produzir uma carne macia, suculenta e saborosa. Todavia, referências mais objetivas, ainda nos faltam. Há um razoável consenso que, no mínimo, devemos abater animais com menos de 30 meses e com boa terminação (cerca de 4 mm de espessura da gordura subcutânea).
O problema é que, do ponto de vista da eficiência alimentar, quanto menos terminado o animal, melhor. Assim o que é bom para a eficiência de produção é ruim para a qualidade final do produto. Todavia, haveria algum sentido em se produzir uma carne eficiente, mas que será mal recebida pelo consumidor? Evidentemente, a resposta é não! Infelizmente, é o que predomina no mercado da carne do dia-a-dia, cuja característica mais constante é sua inconstância quanto à qualidade, particularmente quanto à maciez.
O exemplo que sempre gosto de repetir é minha experiência pessoal no restaurante por quilo: no “Buffet”, lado a lado, tenho bife e o filé de frango. Meu coração manda pegar o bife, mas, no final das contas, o cérebro prevalece e escolho o filé de frango. A razão me fez lembrar que, apesar de mais sem graça, o peito de frango deve estar muito parecido com o que comi em ocasiões anteriores. Há bem menos chance de que ele esteja duro ou com outra característica sensorial indesejável.
O que cada produtor precisa entender é que isso não é um exemplo isolado, mas uma realidade cuja escala afeta significativamente a demanda do seu produto e, consequentemente, o seu valor de mercado. A produção verdadeiramente eficiente, portanto, é aquela em que temos atendido também as condições mínimas para garantir a qualidade do produto.
Depois de ver aplicação de esterco na lavoura com uso de GPS, mais dados impressionantes de produção com integração lavoura-pecuária-floresta, a qualidade dos ingredientes sendo avaliada em tempo real em confinamento, sinto-me cometendo uma injustiça em abordar somente esses dois aspectos nesta oportunidade para esses dois importantes eventos. Espero, nos próximos meses, reparar essa falha.
Embrapa Gado de Corte – 40 anos: Dedico esse texto à instituição que tem permitido realizar-me profissionalmente e que no próximo dia 28 de Abril celebrará seus primeiros 40 anos. É comum as pessoas serem particularizadas pelo local onde trabalham. Nesse caso, há mais de 15 anos sou o “Sergio da Embrapa”. O diferencial aqui é que o “da Embrapa”. Sou, então, “o Sergio que trabalha na empresa que tanto ajuda o Brasil a ser uma potência agrícola”, maneira pela qual por tanta gente somos reconhecidos. Como sinto esse reconhecimento desde o meu primeiro dia no trabalho, tenho consciência que foi uma herança bendita daqueles que, antes de mim, construíram-na. Sendo otimista e considerando que esteja na minha meia-vida embrapiana, tenho a imodesta ambição de ajudar a deixar, até o final da outra metade, a mesma herança para meus futuros colegas, de forma que o orgulho continue sendo o mais forte traço de união entre os embrapianos. Que esse forte sentimento que nos confere alma, leve o corpo sempre à frente para atender, cada vez mais e melhor, aos anseios de quem nos patrocina, o povo brasileiro.
Embrapa