A ciência e tecnologia dos trópicos

Para Francisco Manzi, da Acrimat, estamos assistindo a um desmonte da pesquisa no Brasil
Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no whatsapp

Estamos assistindo a um desmonte da pesquisa no Brasil. A começar pela Embrapa, cujo orçamento de R$ 3,5 bilhões está ameaçado por um corte de mais de 20% em 2018. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, cerca de 85% desse orçamento é destinado ao pagamento de salários e as despesas com pesquisa (R$ 66,8 milhões) representaram 2% dos gastos em 2017. O valor é o menor desde 2010 e está 31% abaixo dos R$ 96,9 milhões investidos na área em 2016. Já no caso do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a previsão de corte no orçamento era estimada, no final de 2017, em 25%, de um total de R$ 5,9 bilhões, indo para R$ 4,4 bilhões. Esses são sinais a que precisamos estar alertas porque, do contrário, estaríamos deixando de lado um pilar importante para a atividade agropecuária, e que foi essencial para nos trazer até aqui…

Um breve retorno ao passado

Durante muitos anos se achou que seria impossível ter agropecuária tecnificada em países de clima quente. E, até hoje, se formos observar as classificações de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), observamos que os países tropicais ainda não atingiram os melhores IDHs. Muitos fatores explicam isso, mas certamente não a teoria de um autor que acreditava ser a civilização um subproduto da neve. Tanto é que o aparecimento do homem na Terra e dois dos principais marcos do início da civilização, as invenções da roda e da escrita, aconteceram em clima quente. Talvez com uma ideia parecida, na chegada ao Brasil, os portugueses trouxeram variedades de sementes e também animais que estavam melhor adaptados à Europa e, mesmo tendo desembarcado na Bahia, foram desenvolver a nossa pecuária com maior produtividade em Estados de temperatura mais amena, como São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Até que, para conquistar o restante do Brasil, principalmente as regiões mais afastadas da costa, foram buscar na África gramíneas que dominaram o país tropical, como os Panicuns e as incríveis Braquiárias. Da Índia, trouxeram o gado zebuíno, extremamente adaptado ao calor, principalmente a raça Nelore, mais resistente aos parasitas, de casco mais forte, cabeça pequena e inclinação de garupa que permitem que a maioria dos partos aconteça sem a necessidade de auxílio humano. E não é a toa que mesmo tendo sido importados oficialmente menos de 10 mil animais no passado, hoje 90% do nosso rebanho, de mais de 200 milhões de cabeças de gado bovino, tenha sangue Zebu. Essa dupla, gramíneas africanas e gado indiano, encontrou seu oásis principalmente no Centro oeste e no Norte, e se multiplicou. Se somarmos o rebanho dos Estados de Mato Grosso, maior produtor, com o de Mato Grosso do Sul, Pará, Goiás e Tocantins chegamos ao impressionante número de quase 100 milhões de cabeças de gado.

Mas não foi mera adaptação… o Brasil aprendeu e está cada vez mais focado em desenvolver a tecnologia do verão, e não simplesmente em importar técnicas e máquinas desenhadas para operar em países temperados. A Embrapa e as fundações de pesquisa têm um papel fundamental nisso e tornaram o Centro Oeste o maior produtor de grãos do planeta. Na pecuária, a seleção genética e a integração com a lavoura permitiram que o Mato Grosso tivesse o 4º maior peso de carcaça do mundo, reduzisse a idade de abate e, em 20 anos, dobrasse o rebanho do Estado, mesmo após ceder terras para a agricultura e evitar o desmatamento de 20 milhões de hectares, uma área cinco vezes maior do que a Holanda. E o Estado ainda tem 15 milhões de hectares de pastagem com aptidão para a atividade agrícola, e é bem possível que consigamos continuar evoluindo sem reduzir a produção de carne bovina.

Adaptar-se ao clima, explorar as particularidades de cada região e investir em pesquisas próprias, então, estão fazendo com que o nosso país tropical alcance cada vez lugares de destaque no mundo. E como vamos deixar de financiar esse crescimento? “O desenvolvimento é o novo nome da paz” disse um dia o Papa Paulo VI.