Busca pelo ‘Nelore Macio’

Pecuaristas e pesquisadores investem na seleção da raça visando o marmoreio perfeito da carne
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Não muito comum entre os que não estão habituados à linguagem da cadeia da bovinocultura, o “marmoreio” é o nome dado ao aspecto de carne bovina com gordura intramuscular. São traços brancos (gordura) em meio ao vermelho das fibras musculares. Mas qual a importância do marmoreio? Para aqueles que pretendem produzir uma carne de qualidade, bem como os que querem consumir, faz toda a diferença. Há uma crença de que aumenta a maciez da carne, porém isto não é totalmente comprovado. O que acontece, porém, é que se uma carne tem marmoreio, é de boa procedência e tem muita chance de ser macia antes mesmo de ocorrer este acúmulo de gordura. Animais que expressam seu potencial genético para marmoreio foram criados para isto, sob ótimo sistema produtivo, e por isso sua carne é macia, o marmoreio é como uma consequência.

GAZETACom aproximadamente 209 milhões de bovinos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem o maior rebanho comercial do mundo. Cerca de 80% do rebanho é composto por animais de raças zebuínas (Bos indicus), que são animais de comprovada rusticidade e adaptação ao ambiente predominante no Brasil. Dentre estas raças, podemos destacar o Nelore, com 90% desta parcela. Mas é possível produzir gado “Nelore Macio” com marmoreio? Alguns criadores, inclusive de Mato Grosso, em uma iniciativa pioneira, estão trabalhando com raçadores com potencial para produzir qualidade de carne, característica que pode elevar o zebuíno a um novo patamar. Muitas pessoas ainda acreditam que a raça predominante nas pastagens brasileiras é desprovida de tal capacidade. Entretanto, provas de ultrassonografia de carcaça comprovam a existência de linhagens com percentuais de marmoreio surpreendentes.

Um dos projetos mais conhecidos no meio, talvez seja o Nelore do Golias, desenvolvido pelo criador Fábio Souza de Almeida Filho, em Birigui (SP). Através de cruzamentos endogâmicos, ele resgatou a linhagem que dá nome ao projeto e fora importada da Índia, em 1962, por Torres Homem Rodrigues da Cunha. Golias, principal referência em qualidade de carne na zebuinocultura nacional, viveu por 22 anos, sem deixar material genético à posteridade, sendo que pouquíssimos filhos seus chegaram a se tornar touros de central. Pela dificuldade em adquirir essa genética, o criador fez uma incansável busca pelos rebanhos brasileiros.

Os primeiros nascimentos ocorreram em 2004 ao reunir, dois anos antes, um volume considerável de descendentes do touro. Assim, se obteve indivíduos com o Golias usado 20 vezes no seu pedigree, uma linhagem pioneira e recordista em marmoreio dentro do Nelore.

Uma defesa de mestrado na USP/ Pirassununga (SP) endossou seu trabalho, quatro anos mais tarde, em 2008. O grupo responsável analisou os treze principais genearcas que compõem a base da raça Nelore no Brasil para qualidade de carne e o grupo de contemporâneos de Golias consagrou-se campeão absoluto, com médias extraordinárias para Área de Olho de Lombo e Marmoreio. Naquele mesmo ano, o projeto ganhou novos horizontes com a formação do Condomínio Teles de Menezes, que compreende o nascimento de 700 prenhezes/ano e gerou mais de 16 touros de central.

Em Mato Grosso, Shiro Nishimura, da fazenda Araponga, em Jaciara (144 Km ao Sul de Cuiabá), está animado com o trabalho para selecionar matrizes e reprodutores aptos ao marmoreio e assim ter o Nelore Macio. “Agora que descobrimos essa virtude preservada em determinadas linhagens, precisamos fazer um amplo trabalho de capilarização dessa genética através do touro”, avalia Nishimura, que pretende começar um trabalho semelhante com o touro Ubinag Prudeindia (linhagem Nagpur), adquirido de Hiroshi Yoshio.

Ao participar do Geneplus/Embrapa, que considera a ultrassonografia de carcaça ao sobreano, Nishimura descobriu uma concentração interessante de animais com percentual de marmoreio entre 4% e 6%.GAZETA2

Ao investigar a genealogia dos exemplares com assessoria da DGT Brasil, empresa de capital norte-americano especializada no desenvolvimento e comercialização de softwares para interpretação de imagens de ultrassonografia de carcaça, o pecuarista acabou se deparando com Ubinag, amplamente utilizado no repasse de sua vacada. “Inicialmente, escolhi este animal pela alta herdabilidade em ganho de peso e não marmoreio. Por recomendação da doutora Liliane Suguisawa, diretora técnica da DGT Brasil, vamos ampliar e direcionar melhor esse trabalho”, prevê Nishimura, que possui uma reserva de 600 doses de sêmen de Ubinag, além de filhos e netos do touro.

A diretora técnica do DGT Brasil explica que esses resultados representam uma quebra de paradigma, agregando características que a raça Nelore não tem, colocando a carne brasileira em outro patamar. Um grande diferencial para a qualidade da carne brasileira. Segundo ela, os EUA utilizam esta ferramenta para seleção em todo o rebanho Angus desde 1995, no Brasil o trabalho está sendo realizado há cerca de 10 anos.

Com estas informações, eles conseguiram ganhos expressivos na Área de Olhode-Lombo (AOL) e marmoreio, já que a remuneração americana é muito afetada por estas características.

O nível de marmoreio do nelore brasileiro é de 1,5% a 2%, o que impõe ao Brasil o mercado de “carne commodity” e preços baixos. Segundo Liliane Suguisawa, uma taxa de marmoreio significativa na carne, capaz de tirar o nelore brasileiro deste cenário, deve estar acima de 3%. O que já está sendo alcançado por alguns produtores e até ultrapassado.

“Temos que colocar na cabeça dos pecuaristas que além de quantidade, eles tem que produzir genética de qualidade com o Nelore, é o que se faz ao trabalharmos para alcançarmos o marmoreio”, ressalta.

Outro empreendimento que mira a seleção para marmoreio é a AC Proteína, empresa agropecuária com mais de 50 anos de atuação, especializada na terminação de gado em confinamento e comercialização de touros da raça Nelore. O trabalho de seleção genética é conduzido na Fazenda Catarina, em Barra do Garças (509 Km a Leste de Cuiabá), a partir de um plantel de 1.500 matrizes.

Todos os anos, mais de 1.000 animais são submetidos ao teste de carcaça por ultrassonografia, quando são identificados os melhores para marmoreio e qualidade de carne. É um criatório relativamente novo, mas desse trabalho já nasceram dois importantes reprodutores de central. “Em parceria com a DGT Brasil, que está conosco desde o começo da seleção, identificamos e multiplicamos essa genética através de nosso programa de melhoramento genético ”, detalha o gerente Rodrigo Delgado.

No ano passado, a empresa abateu 230 mil bois confinados, com foco na melhoria contínua do padrão de carcaça e qualidade de carne.