Deus fez o campo, e o homem fez a cidade

Francisco Manzi comenta as mudanças tecnológicas e as condições de vida no meio rural
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Estima-se que 54% dos seres humanos vivam nas cidades e obviamente a grande maioria em metrópoles. No Brasil, embora seja um país agrícola, os números chegam a 85%, segundo dados do IBGE. Desde a revolução industrial, houve um grande êxodo rural e as cidades foram se entupindo de gente e o campo ficando deserto.

Eu passei a maioria das férias da minha infância e adolescência no sítio da família no sul de Minas Gerais, e era uma aventura. A casa de madeira, sem telefone, televisão nem pensar, a luz de lampião, o fogão de lenha com serpentina para aquecer a caixa d´água.

Foi tão marcante pra mim que aqueles ares levaram o paulistano da gema aqui, sem nenhuma veia de produtor rural na família, a cursar veterinária em Londrina e trabalhar com bovinos de corte. Realmente, naquele sítio não tínhamos conforto, mas como era só nas férias, voltávamos cheios de estórias pra contar; já para quem morava lá, não era tão simples. Talvez isso explique, em parte, o êxodo das famílias dos fazendeiros, que hoje encontram dificuldade na sucessão familiar em todo o mundo. Com os colaboradores foi ainda pior: iludidos pelos arranha-céus, a agropecuária em geral tem cada vez mais dificuldade de encontrar quem se estabeleça no campo.

Os tempos mudaram, a tecnologia chegou ao meio rural e, tanto para quem quer juntar dinheiro como para quem quer uma vida com mais qualidade, morar nas fazendas ou próximo a elas pode ser uma excelente opção.

As propriedades rurais, em sua esmagadora maioria, há muito tempo têm energia elétrica, possuem antena parabólica ou canais de TV por assinatura. A internet via rádio ou via satélite já cobre grande extensão do país, e as redes sociais fazem parte do cotidiano de proprietários e funcionários; até no sítio da minha infância as aventuras dos meus filhos já são postadas em tempo real nas redes sociais.

Para os colaboradores, a conta é melhor ainda. Há muitos anos venho mostrando para os vaqueiros, capatazes, tratoristas e funcionários dos escritórios das fazendas que, para terem o mesmo padrão de vida que têm, comparativamente ao salário que ganham no campo, ao se mudarem para as cidades teriam que ganhar pelo menos três vezes mais.

A grande maioria das fazendas oferece no contrato de trabalho a cessão praticamente gratuita de uma residência com água, energia elétrica, muitas vezes semi ou inteiramente mobiliada, normalmente com área para se fazer uma horta e até criar algumas galinhas, além de leite e carne a preços subsidiados, quando não gratuitos. E no campo não há o apelo diário para que se consuma algo que passaríamos bem sem consumir, mas que, por impulso, nós ou nossa família acabamos adquirindo sem necessidade, o que muitas vezes compromete o orçamento.

O transporte até o trabalho ou fica do lado da vila de casas ou se vai a cavalo ou moto da fazenda, e sempre observo que os veículos e motocicletas dos trabalhadores rurais rodam muito menos.

Evidentemente que o hábito de poupança é muito particular e está muito mais ligado a quanto gastamos do que a quanto ganhamos, mas certamente, no campo, viver melhor e juntar dinheiro é muito mais tangível.

O transporte escolar gratuito está previsto em lei e a grande maioria dos municípios brasileiros o disponibilizam, e com a internet, o ensino a distância, o chamado EAD, já é uma realidade; não raro encontramos gente com curso superior no meio rural.

As palavras sucesso e sucessão têm o mesmo radical e as propriedades rurais que estão se profissionalizando, se tecnificando e se tornando empresas têm conseguido atrair mais interesse por parte dos sucessores.

O Brasil, com a responsabilidade de ser o celeiro do mundo e com aptidão para todas as culturas e criações, certamente precisa de gente qualificada, e ir à cidade apenas para passear, se tratar ou buscar encomendas feitas pelos aplicativos pode ser uma boa opção.