Pecuarista reduz confinamento em meio a escândalos no setor

Operação Carne Fraca, a delação dos fundadores da JBS e o retorno da cobrança do Funrural deixaram os produtores mais receosos com relação ao cenário no segundo semestre

A incerteza gerada pelos escândalos envolvendo a carne bovina brasileira derrubou a intenção de confinamento para 2017. O número de animais deve crescer até 15% em relação ao ano passado, mas não deve chegar aos 25% de alta previstos inicialmente.

“É possível que o incremento fique entre 10% e 15% em relação aos 3,2 milhões de animais confinados em 2016, o que não é nem perto do projetado inicialmente, mas é mais realista”, afirma o gerente da Associação Nacional dos Confinadores (Assocon), Bruno Andrade.

Os produtores estão preocupados com os rumos do mercado, o que fez com que adiassem a decisão de confinar, mesmo diante de um cenário de preços de insumos favorável. “A operação Carne Fraca, a Carne Fria, a delação dos fundadores da JBS e o retorno da cobrança do Funrural deixaram o produtor receoso em relação ao que esperar no segundo semestre”, avalia.

O preço projetado para a arroba no mercado futuro também têm pesado na decisão. O animal que for terminado no cocho entre junho e agosto deverá ser entregue para abate entre outubro e dezembro. “Com os preços que temos a conta do confinamento ou empata ou gera prejuízo para o produtor que precisa comprar boi magro”, salienta o proprietário da Scot Consultoria, Alcides Torres. “Pode ser que daqui a algumas semanas esse cenário mude, mas o problema é se isso acontece em tempo hábil para o produtor confinar”, diz o analista.

A cotação da arroba para outubro, mês de maior número de contratos negociados na bolsa (B3), está em R$ 130,04, inferior ao mercado físico, que fechou ontem em R$ 130,21. “Isso desestimula o pecuarista”, destaca gerente executivo de inteligência de mercado do frigorífico Minerva, Leonardo Alencar. A companhia projeta alta de 2,6% no número de cabeças confinadas em 2017 ante o ano passado, para 4 milhões animais.

“O resultado poderia ser maior não fosse a dúvida em relação ao preço”, acrescenta.

A capacidade de pagamento da JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, também é alvo de questionamento no mercado. Há pouco mais de um mês a companhia dos irmãos Wesley e Joesley Batista anunciou que pagaria os produtores apenas à prazo, quando o formato usual é a opção à vista. “O momento requer cautela do produtor para que ele possa procurar negócios que remunerem a atividade. Orientamos o produtor a vender à vista”, completou o diretor da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari.

O Estado possui o maior rebanho do País, com 30 milhões de cabeças, e 11 das 24 das unidades de abate estão nas mãos do JBS. Além do receio com o pagamento a prazo, há relatos de produtores com dificuldades de descontar as Notas Promissórias Rurais (NPRs) emitidas pela companhia nas vendas a prazo. As NPRs são um adiantamento dos valores a serem pagos e podem ser descontadas nos bancos. “Se o frigorífico não pagar, o prejuízo é do produtor”, alerta Torres.

Dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) divulgados na última segunda-feira (5), mostram que o Estado deve registrar crescimento de 14% no confinamento, para 701,8 mil animais. No entanto, o número de produtores indecisos é o maior da história: 24%, segundo a primeira pesquisa de intenção de confinamento feita pela entidade neste ano.

A JBS vendeu suas operações de carnes na Argentina e no Uruguai para a concorrente Minerva. O negócio, anunciado ontem (6) foi de US$ 300 milhões, recurso que devem ser utilizados para reduzir as dívidas da empresa. No Brasil, a companhia informou que não pretende vender ativos. No entanto, deu férias coletivas aos funcionários da unidade de Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul.

Consumidor

As dúvidas não se restringem ao campo e chegaram também ao consumidor, que ameaça boicotar as marcas do grupo JBS. Frente a isso, empresas decidiram se posicionar. A pizzaria norte-americana Domino´s anunciou na última sexta-feira (2) que não utilizará nenhum produto da marca JBS. A empresa possui 180 lojas no Brasil e mais de 10 mil estabelecimentos no mundo.

O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) também manifestou apoio ao boicote proposto nas redes sociais aos produtos da marca. “Deixar de comprar é um importante instrumento de pressão da sociedade para que empresas passem mudem comportamentos danosos e antiéticos”, disse o Idec em comunicado.

Retomada

O crescimento do confinamento, mesmo que menor que o esperado, se deve aos preços da matéria-prima, como o milho e o boi magro. “Muitos produtores estão retomando os planos em função da queda nos custos de alimetação”, afirma o gerente de confinamento da DSM Tortuga, Marcos Baruselli.

Em São Paulo, por exemplo, a saca de 60 quilos do grão está sendo vendida a R$ 25, em média. “Em estados como Mato Grosso a cotação da saca bateu R$ 13”. A queda é resultado da supersafra do grão, que chegará a 100 milhões de toneladas.

Os valores de reposição também estão competitivos. O bezerro, em São Paulo, custa em média R$ 1,5 mil, enquanto o valor do boi magro gira em torno de R$ 1,7 mil. “Considerando São Paulo, os custos de produção oscilam entre R$ 90 a R$ 100, menores que o valor da arroba mesmo diante de incertezas.”

Alencar, do frigorífico Minerva, acrescenta que alternativas como o semi-confinamento e a intensificação a pasto também devem crescer na preferência do produtor. “Os custos são mais baixos em relação ao confinamento e o País tem uma disponibilidade grande de pasto”.